domingo, 26 de junho de 2016

Martin Luther King Jr., para hoje

            “Eu tenho um sonho” – famosa frase do discurso de Martin Luther King Jr. (1929-1968), proferido no “Lincoln Memorial”, durante a “Marcha de Washington por Empregos e Liberdade”, pode ser o fio condutor de nossas práticas como indivíduos e como sociedade.
            Enquanto membro de um dos movimentos sociais mais atuantes na cena político-sócio-cultural estadunidense, o Movimento Americano pelos Direitos Civis, o Prêmio Nobel da Paz (1964), diante de mais de 200 mil pessoas, expressou o seu desejo: que as crianças não fossem julgadas pela cor de suas peles, mas pelo caráter delas.
            Quando vários setores da sociedade brasileira encontram em líderes políticos como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano na defesa de seus “princípios ideológicos” num discurso misógino, xenofóbico e discriminatório contra os direitos de minorias, por acreditarem que o mundo permanece como era há algum tempo atrás e desejam restaurá-lo à força de seus dogmas religiosos, indica a atualidade da reflexão do pastor batista.
            Luther King referiu-se ao que somos por dentro e como reagimos aos fatores subjetivos que nos possuem. Neste sentido: “Pessoas como Martin Luther King Jr. podem servir como terapeutas para a cultura, o País ou o mundo em geral”, conforme Jennifer Selig, professora fundadora da Pacifica Graduate Institute.
            Mas, onde estão as pessoas que respiram os ventos da liberdade, da paz, da vida como ela é; que choram com os que choram; que olham do cume das montanhas e sentem que não podem parar de ir para frente, mesmo diante das ameaças de morte que todas as tradições representam?
            Onde estão aqueles que, como Martin Luther King Jr., querem que todos os brasileiros tomem posse da herança de direitos que a nossa “Constituição Cidadã” nos garante e rasguem o “cheque sem fundo” que aqueles que assumiram interinamente o poder querem nos passar?
            Onde estão aqueles que, como o Defensor da Igualdade dos Direitos Civis, “se recusam a acreditar que o banco da justiça é falível, que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação”?
            Onde estão aqueles que, como o Homem do Ano pela Revista Time, acreditam que “agora é o tempo para transformar em realidade as promessas da democracia, de erguer a nossa nação das areias movediças da injustiça (corrupção) para a pedra sólida da fraternidade e não satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio, mas de se conduzir num alto nível de dignidade e disciplina”?
            Onde estão aqueles que lutam para que as pessoas injustas e opressoras possam conhecer o coração que aspira a liberdade e a justiça; que somos muito mais do que parecemos daquilo que nos diferencia racial, sexual, cultural, religiosa, econômica e politicamente; que aqueles que vociferam que é preciso obedecer às condições que nos impõem limites e amarram os sentimentos, podem unir as mãos com aqueles que pretendem interditar e viverem como irmãos na construção de um País melhor; que é possível àqueles que plantam discórdia semearem fraternidade; que aqueles que firmam o desespero como montanha podem arrancar as ferramentas da esperança; que todos somos capazes de trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, até sermos presos se preciso for, mas, até cantarmos à uma só voz: “Meu País é seu”?
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)

terça-feira, 21 de junho de 2016

A vaca foi pro brejo! Será?

            A realidade social do País não é mais a mesma desde junho de 2013, quando assistimos e participamos das manifestações populares a partir da indignação contra o aumento de preço das passagens de ônibus urbano. Os movimentos, que reivindicavam melhorias na saúde e educação, levaram milhões de brasileiros a gritarem: “O Gigante acordou!”
            É inegável que estas condições sociais são emocionalmente contagiosas. Quer dizer, desde então, nenhum de nós permaneceu a mesma pessoa. Gostemos ou não os debates políticos passaram a integrar o nosso cotidiano e nos transformaram. Todos têm algo a dizer, a favor ou contra ao que acontece no cenário social. Ninguém está imune ao balanço do barco quando o mar está agitado. As emoções são contagiosas.
            A contribuição de Friedrich W. Nietzsche (1844-1900), é valiosa no diagnóstico da contaminação emocional. Em “Assim falava Zaratustra”, afirma que a psique se transforma em “camelo, leão e numa inocente criança”.
            O camelo, segundo o filósofo alemão, se submete a carregar as mais pesadas cargas, porque apenas considera a força de seus músculos e, por isso, acreditar estar inevitavelmente destinado a secura exaustiva do vazio desértico de sua longa existência sem, contudo, perceber que ao aceitar tal condição: se apequena quando ajoelha; ilustra a sua tolice e zomba da inteligência que possui; alimenta-se de insignificantes e quimeras gramíneas que as raras chuvas suscitam nas areias causticantes e geladas do deserto; não se importa com a fartura que encontra junto aos poucos oásis quando os visita; pode dispensar a pouca e suficiente colaboração para enfrentar suas dificuldades, e se juntar àqueles que não atendem a nenhuma de suas necessidades; se nega a enfrentar problemas insignificantes que a sua vantajosa estrutura esquelética suporta.
            Resumindo: a nossa alma se transforma em camelo quando honramos nosso complexo de vira-latas, que adoece e enfraquece sob o peso das cargas.
            A segunda transmutação da psique que precisamos ativar e sustentar, é: manter o rapinante e certeiro “leão” que, diante do “dragão do dever”, da tradição e dos limites, não se deixa vencer pela força que restringe e quer abater o poder da vontade.
            “Criar liberdade e um sagrado NÃO, mesmo diante do dever: para isso é preciso o leão. Tomar para si o direito a novos valores”.
            Somos os únicos e precisamos agarrar as oportunidades que podem alterar as condições que ameaçam a nossa criatividade, liberdade, inovação, inteligência, futuro.
            Entretanto, Nietzsche nos convoca a deixarmos que ocorra a mais saudável e importante alteração psíquica, que as condições sociais podem nos provocar: “De que ainda é capaz a criança, de que nem mesmo o leão foi capaz? Em que o leão tem ainda de se tornar em criança?”.
            “Inocência é a criança, e esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo do criar, é preciso um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido do mundo”.
            Nesse sentido, observemos o: “Não fale em crise, trabalhe”! Mais uma vez, o Estado - “o mais frio de todos os monstros frios” - como o autor aponta em outro trecho do mesmo texto, nos ameaça e amedronta e quer impedir de continuarmos a viver “na cidade que é chamada: A Vaca Colorida”.
            Transformai-vos camelos, em leões! Leões, crianças! A vaca, não foi pro brejo!
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)