quarta-feira, 13 de julho de 2016

O valor psicológico da hipocrisia

            Em “Perversão: Uma Abordagem Junguiana”, ainda não traduzido para o português, a analista Fiona Ross apresenta a opinião de diversos autores sobre o tema, com destaque para a afirmação de Donald Meltzer: “A essência do impulso perverso é alterar aquilo que é bom em mau, preservando ao mesmo tempo a aparência de bom”.
            A perversão se relaciona, então, diretamente com o caráter da pessoa que se esforça “parecer” possuir um bom caráter, entretanto, seu caráter é falso.
            Estamos no campo da hipocrisia. A hipocrisia é um dos maiores problemas da vida social em todo o mundo. E é no cenário político, nacional e local, que a identificação dos hipócritas tem se tornado uma grande dificuldade.
            No tempo presente, marcado pelos ódios e preconceitos de toda espécie, não é difícil nos identificar com o mal acreditando que estamos nos posicionando ao lado do bem. E isto não só por fazer uma equivocada leitura do espírito de época, mas porque o Ego, como grande fator em nossas escolhas, pode comprometer a integridade do nosso caráter, pervertendo o nosso desenvolvimento psíquico.
            Precisamos admitir que o “lobo” está dentro de nós, que não somos “ovelhas” o tempo todo. Aliás, queremos encontrar alguém que possa ser acusado de ser “o lobo”.
            Se considerarmos a perversão como um fator subjetivo atuante em nossa personalidade, ela pode proporcionar uma energia com efeitos transformadores, trazendo elementos inconscientes para a consciência e, assim, transcender o problema da hipocrisia. Ao invés de sermos possuídos pelo “lobo”, nós podemos dominá-lo. O problema pode ainda existir, mas, se ele for compreendido de outra forma, pode fazer uma enorme diferença.
            Precisamos ser capazes de objetivar o “lobo” relacionando-se com ele, para só assim experimentar o que é ser “ovelha”, que tantas vezes é dilacerada. É possível interferir que o “lobo” tenha vida própria, fique isolado.
            Lobos e ovelhas são diferentes: o lobo tem pelos curtos e ásperos, dentes afiados, garras pontiagudas, orelhas atentas, bocarra insaciável por sangue e carne crua, uiva em noites escuras, perseguidor veloz, dissimulado, traidor, diabólico; a ovelha tem a maciez da lã, estrutura frágil, cheira à mato, se alimenta nos campos baixos e verdejantes, seu balido é lamentoso.
            A consciência se amplia à medida que percebemos que o “rebanho” está cercado pela “matilha”, que o “redil” corre o risco de se transformar em “covil”, que “uivar” baixinho é muito diferente de “balir”.
            É possível acompanhar de perto nossos próprios “lobos”. Bem sabemos quando “uivamos”. O “uivo” é inconfundível. Aos nossos ouvidos sentimos quando “uivamos” e disfarçamos que estamos “balindo”. Porém, não dá para disfarçar o tempo todo.
            Como identificar o valor psicológico da hipocrisia?
            Quando substituímos as medidas extremadas, porque no fundo temos dúvida de nossas próprias opiniões, e buscamos a atender a necessidade por argumentos mais consistentes, ainda que mais complexos; quando sentimos que não é possível continuar a dissimular nossas vulnerabilidades com mentiras, violência e força; quando passamos a dialogar e respeitar, sem preconceitos, a todos, e não mais aos que compartilham das mesmas ideias, sentimentos, crenças.

(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)