Em “Perversão: Uma Abordagem
Junguiana”, ainda não traduzido para o português, a analista Fiona Ross
apresenta a opinião de diversos autores sobre o tema, com destaque para a
afirmação de Donald Meltzer: “A essência do impulso perverso é alterar aquilo
que é bom em mau, preservando ao mesmo tempo a aparência de bom”.
A perversão se relaciona, então,
diretamente com o caráter da pessoa que se esforça “parecer” possuir um bom
caráter, entretanto, seu caráter é falso.
Estamos no campo da hipocrisia. A
hipocrisia é um dos maiores problemas da vida social em todo o mundo. E é no
cenário político, nacional e local, que a identificação dos hipócritas tem se
tornado uma grande dificuldade.
No tempo presente, marcado pelos
ódios e preconceitos de toda espécie, não é difícil nos identificar com o mal
acreditando que estamos nos posicionando ao lado do bem. E isto não só por
fazer uma equivocada leitura do espírito de época, mas porque o Ego, como
grande fator em nossas escolhas, pode comprometer a integridade do nosso
caráter, pervertendo o nosso desenvolvimento psíquico.
Precisamos admitir que o “lobo” está
dentro de nós, que não somos “ovelhas” o tempo todo. Aliás, queremos encontrar
alguém que possa ser acusado de ser “o lobo”.
Se considerarmos a perversão como um
fator subjetivo atuante em nossa personalidade, ela pode proporcionar uma
energia com efeitos transformadores, trazendo elementos inconscientes para a
consciência e, assim, transcender o problema da hipocrisia. Ao invés de sermos
possuídos pelo “lobo”, nós podemos dominá-lo. O problema pode ainda existir,
mas, se ele for compreendido de outra forma, pode fazer uma enorme diferença.
Precisamos ser capazes de objetivar
o “lobo” relacionando-se com ele, para só assim experimentar o que é ser
“ovelha”, que tantas vezes é dilacerada. É possível interferir que o “lobo”
tenha vida própria, fique isolado.
Lobos e ovelhas são diferentes: o
lobo tem pelos curtos e ásperos, dentes afiados, garras pontiagudas, orelhas
atentas, bocarra insaciável por sangue e carne crua, uiva em noites escuras, perseguidor
veloz, dissimulado, traidor, diabólico; a ovelha tem a maciez da lã, estrutura
frágil, cheira à mato, se alimenta nos campos baixos e verdejantes, seu balido
é lamentoso.
A consciência se amplia à medida que
percebemos que o “rebanho” está cercado pela “matilha”, que o “redil” corre o
risco de se transformar em “covil”, que “uivar” baixinho é muito diferente de
“balir”.
É possível acompanhar de perto
nossos próprios “lobos”. Bem sabemos quando “uivamos”. O “uivo” é
inconfundível. Aos nossos ouvidos sentimos quando “uivamos” e disfarçamos que
estamos “balindo”. Porém, não dá para disfarçar o tempo todo.
Como identificar o valor psicológico
da hipocrisia?
Quando substituímos as medidas
extremadas, porque no fundo temos dúvida de nossas próprias opiniões, e
buscamos a atender a necessidade por argumentos mais consistentes, ainda que
mais complexos; quando sentimos que não é possível continuar a dissimular
nossas vulnerabilidades com mentiras, violência e força; quando passamos a
dialogar e respeitar, sem preconceitos, a todos, e não mais aos que
compartilham das mesmas ideias, sentimentos, crenças.
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a
Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP –
International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)