terça-feira, 21 de junho de 2016

A vaca foi pro brejo! Será?

            A realidade social do País não é mais a mesma desde junho de 2013, quando assistimos e participamos das manifestações populares a partir da indignação contra o aumento de preço das passagens de ônibus urbano. Os movimentos, que reivindicavam melhorias na saúde e educação, levaram milhões de brasileiros a gritarem: “O Gigante acordou!”
            É inegável que estas condições sociais são emocionalmente contagiosas. Quer dizer, desde então, nenhum de nós permaneceu a mesma pessoa. Gostemos ou não os debates políticos passaram a integrar o nosso cotidiano e nos transformaram. Todos têm algo a dizer, a favor ou contra ao que acontece no cenário social. Ninguém está imune ao balanço do barco quando o mar está agitado. As emoções são contagiosas.
            A contribuição de Friedrich W. Nietzsche (1844-1900), é valiosa no diagnóstico da contaminação emocional. Em “Assim falava Zaratustra”, afirma que a psique se transforma em “camelo, leão e numa inocente criança”.
            O camelo, segundo o filósofo alemão, se submete a carregar as mais pesadas cargas, porque apenas considera a força de seus músculos e, por isso, acreditar estar inevitavelmente destinado a secura exaustiva do vazio desértico de sua longa existência sem, contudo, perceber que ao aceitar tal condição: se apequena quando ajoelha; ilustra a sua tolice e zomba da inteligência que possui; alimenta-se de insignificantes e quimeras gramíneas que as raras chuvas suscitam nas areias causticantes e geladas do deserto; não se importa com a fartura que encontra junto aos poucos oásis quando os visita; pode dispensar a pouca e suficiente colaboração para enfrentar suas dificuldades, e se juntar àqueles que não atendem a nenhuma de suas necessidades; se nega a enfrentar problemas insignificantes que a sua vantajosa estrutura esquelética suporta.
            Resumindo: a nossa alma se transforma em camelo quando honramos nosso complexo de vira-latas, que adoece e enfraquece sob o peso das cargas.
            A segunda transmutação da psique que precisamos ativar e sustentar, é: manter o rapinante e certeiro “leão” que, diante do “dragão do dever”, da tradição e dos limites, não se deixa vencer pela força que restringe e quer abater o poder da vontade.
            “Criar liberdade e um sagrado NÃO, mesmo diante do dever: para isso é preciso o leão. Tomar para si o direito a novos valores”.
            Somos os únicos e precisamos agarrar as oportunidades que podem alterar as condições que ameaçam a nossa criatividade, liberdade, inovação, inteligência, futuro.
            Entretanto, Nietzsche nos convoca a deixarmos que ocorra a mais saudável e importante alteração psíquica, que as condições sociais podem nos provocar: “De que ainda é capaz a criança, de que nem mesmo o leão foi capaz? Em que o leão tem ainda de se tornar em criança?”.
            “Inocência é a criança, e esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo do criar, é preciso um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido do mundo”.
            Nesse sentido, observemos o: “Não fale em crise, trabalhe”! Mais uma vez, o Estado - “o mais frio de todos os monstros frios” - como o autor aponta em outro trecho do mesmo texto, nos ameaça e amedronta e quer impedir de continuarmos a viver “na cidade que é chamada: A Vaca Colorida”.
            Transformai-vos camelos, em leões! Leões, crianças! A vaca, não foi pro brejo!
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)