A realidade social do País não é
mais a mesma desde junho de 2013, quando assistimos e participamos das
manifestações populares a partir da indignação contra o aumento de preço das
passagens de ônibus urbano. Os movimentos, que reivindicavam melhorias na saúde
e educação, levaram milhões de brasileiros a gritarem: “O Gigante acordou!”
É inegável que estas condições
sociais são emocionalmente contagiosas. Quer dizer, desde então, nenhum de nós permaneceu
a mesma pessoa. Gostemos ou não os debates políticos passaram a integrar o
nosso cotidiano e nos transformaram. Todos têm algo a dizer, a favor ou contra
ao que acontece no cenário social. Ninguém está imune ao balanço do barco
quando o mar está agitado. As emoções são contagiosas.
A contribuição de Friedrich W.
Nietzsche (1844-1900), é valiosa no diagnóstico da contaminação emocional. Em
“Assim falava Zaratustra”, afirma que a psique se transforma em “camelo, leão e
numa inocente criança”.
O camelo, segundo o filósofo alemão,
se submete a carregar as mais pesadas cargas, porque apenas considera a força
de seus músculos e, por isso, acreditar estar inevitavelmente destinado a
secura exaustiva do vazio desértico de sua longa existência sem, contudo,
perceber que ao aceitar tal condição: se apequena quando ajoelha; ilustra a sua
tolice e zomba da inteligência que possui; alimenta-se de insignificantes e
quimeras gramíneas que as raras chuvas suscitam nas areias causticantes e
geladas do deserto; não se importa com a fartura que encontra junto aos poucos
oásis quando os visita; pode dispensar a pouca e suficiente colaboração para
enfrentar suas dificuldades, e se juntar àqueles que não atendem a nenhuma de
suas necessidades; se nega a enfrentar problemas insignificantes que a sua
vantajosa estrutura esquelética suporta.
Resumindo: a nossa alma se
transforma em camelo quando honramos nosso complexo de vira-latas, que adoece e
enfraquece sob o peso das cargas.
A segunda transmutação da psique que
precisamos ativar e sustentar, é: manter o rapinante e certeiro “leão” que,
diante do “dragão do dever”, da tradição e dos limites, não se deixa vencer
pela força que restringe e quer abater o poder da vontade.
“Criar liberdade e um sagrado NÃO,
mesmo diante do dever: para isso é preciso o leão. Tomar para si o direito a
novos valores”.
Somos os únicos e precisamos agarrar
as oportunidades que podem alterar as condições que ameaçam a nossa
criatividade, liberdade, inovação, inteligência, futuro.
Entretanto, Nietzsche nos convoca a
deixarmos que ocorra a mais saudável e importante alteração psíquica, que as
condições sociais podem nos provocar: “De que ainda é capaz a criança, de que
nem mesmo o leão foi capaz? Em que o leão tem ainda de se tornar em criança?”.
“Inocência é a criança, e
esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um
primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo do criar, é preciso
um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para
si o perdido do mundo”.
Nesse sentido, observemos o: “Não
fale em crise, trabalhe”! Mais uma vez, o Estado - “o mais frio de todos os
monstros frios” - como o autor aponta em outro trecho do mesmo texto, nos
ameaça e amedronta e quer impedir de continuarmos a viver “na cidade que é
chamada: A Vaca Colorida”.
Transformai-vos camelos, em leões! Leões,
crianças! A vaca, não foi pro brejo!
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a
Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP –
International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)