terça-feira, 27 de setembro de 2016

Meiacinco

por Roque Tadeu Gui

Dia de seu aniversário. À noite, receberá alguns amigos, filhas, genros e netos para um jantar carinhosamente organizado pela mulher. 

Decide não trabalhar, tirar uma folga para perambular pela cidade, olhar vitrines, quem sabe comprar um par de sapatos novos, bem que está precisando, passar numa livraria, vício incontornável e, quem sabe, comprar mais uma caneta tinteiro para a sua coleção, daquelas que têm bombinha, porque as de cartucho são muito modernas e práticas e ele gosta mesmo é do modelo tradicional.
    

Bom jeito de passar o dia, curtir um pouco da solidão que tornará o encontro com a família e amigos ainda mais gratificante. Sabe da importância dessas criaturas que o acompanham vida afora, ainda que, por vezes, também o incomodem. Solidão é bom quando se tem para onde voltar.
    

Vai almoçar no restaurante libanês de sua preferência. Como sempre faz, pede um arak, com “apenas uma pedra de gelo”, e água com gás, que não será adicionada à bebida, porque então viraria um ouzo, bebida refrescante, de aspecto leitoso, apreciada pelos vizinhos gregos. Não! Arak puro! Vá lá, só com uma pedrinha de gelo para refrescar, mas deixando o teor etílico o mais íntegro possível.
    

Uma bela refeição! Não é glutão, mas aprecia uma boa comida. E delicia-se com o arak que só toma quando vem aqui. E divaga. Devaneia, pensamentos sem rumo, sem compromisso. Vai para o passado, flerta com o futuro, vagabundeia pelo presente.
    

Olha ao redor. Na mesa ao lado, duas senhoras. Sim, senhoras, não moças, não jovens, melhor, senhoras. Toma-se por referência. Se ele é um senhor, como todos insistem, então as vizinhas de mesa são senhoras! Ponto.
    

Chama-lhe a atenção aquela que está em seu angulo de visão. Rosto cheinho, não gordo, com certeza. Cheinho, próprio da idade, viçoso. Cabelo bem ajeitado, tocando, roçando apenas, os ombros. O pescoço gracioso. Os peitos, ah, os peitos, notáveis! Cheios, não excessivamente. Na medida certa para o corpo e para a idade. Têm presença. Não o tipo de presença dos peitos juvenis, pontudos, que apelam  à fantasia de quem está do outro lado da mesa, que excitam o desejo e a vontade  de mordiscá-los! Não; peitos de quem já viveu uma vida, testemunhas de noites apaixonadas e ardentes. Peitos históricos, por assim dizer. 

Beija-os na imaginação. Sim, aqueles peitos devem ter uma honrosa história. Lambê-los seria cultuar as eras, os amores que por ali passaram, as bocas felizes que ali estiveram.
    

O devaneio é interrompido: as mulheres pedem a conta, levantam-se, arrumam-se e dirigem-se para a saída. E, então, pode vê-la de corpo inteiro. A silhueta completa, sem excessos, e sem carências, nada sobrando e nada faltando, não como o jeito esguio próprio das garotas, saborosas ao olhar, mas tanto quanto. O deleite daquela imagem é outro. Corpo anfitrião, pois já sabe receber, aprendeu com o tempo, que é o senhor da experiência. Excitado, imagina-a nua, na cama, abrindo-se e convidando-o a entrar.
    

Enquanto as mulheres recolhem suas bolsas, rabisca rapidamente um cartão em branco. Carrega consigo vários para preenchê-los na hora da necessidade, quando alguém lhe pede um cartão de visitas, por exemplo, e daí tem que esperar que ele o preencha, senão entende que o pedido é apenas formal e o interlocutor não está interessado de fato.
    

Escreve: “Seu telefone, minha bela, por favor, para que eu possa conversar com você, depois.” E pede ao garçom que entregue à senhora.
    

Observa o movimento do rapaz que se apressa em atender a solicitação do “doutor”. Vê quando a dama recebe o cartão e – regozijo! –  acompanha sua expressão facial durante a leitura. Coisa rara, surpreender a espontaneidade de alguém que recebe um recado! Quantas vezes na vida temos esse privilégio?
    

Ela lê, expressão serena da mulher vivida. Um pouco incrédula, ergue ligeiramente a sobrancelha. Vira-se para o autor e encontra olhos fixos em sua direção. Desarma-se, abre um sorriso, um belo sorriso desde sempre. Guarda o cartão no bolsinho da carteira. Olha novamente, e sorri novamente. Ah! Um sorriso que inunda a alma. Ele retribui, agradecido. Ela sai.