quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Que bicho você tem? Que bicho deu em você? Que bicho te mordeu?

Nossa identificação com os animais é mais próxima do que pensamos. Isto pode ser observado, por exemplo, ao empregarmos algumas expressões: “filho de peixe, peixinho é”, “este tem sangue de barata”, “lágrimas de crocodilo”, etc. Não é difícil imaginar-nos como animais. É como se tivéssemos os mesmos instintos.
Os animais fornecem a base dos nossos traços comportamentais: a agressividade de um cão; a feminilidade de uma gata; o ludibrio do macaco; a moleza da preguiça; a camuflagem do camaleão; a força do touro; a astúcia da raposa; a rapinagem do gavião; o veneno e/ou o curativo da cobra; o arroubo dos pássaros; a ligeireza do jumento - imortalizada na “Apologia do jumento”, de Luiz Gonzaga; etc.
As Sagradas Escrituras nos lembram: “Eu estou enviando vocês como ovelhas entre lobos. Sejam cautelosos como as serpentes e inofensivos como as pombas. Mas, cuidado!” (Evangelho de Mateus 10:16). Que bicho você tem? Somos todos!
Imaginamos e nos comportamos como ovelhas, lobos, serpentes, pombas. O mais significativo é que olhemos para nós e percebamos as nossas afinidades com os animais, isto é, se quisermos preservar-nos da extinção.
Combinar a prudência com a simplicidade pode significar a diferença entre a derrota e a vitória, a morte e a sobrevivência. Ser, ao mesmo tempo, astuto, cauteloso e sagaz, inofensivo, singelo e cândido é um dos pares de opostos que mais nos desafiam.
“Os animais poderiam fazer-nos conscientes de nós mesmos”, afirma James Hillman (Animais de sonho). Do cume da cadeia psicológica e moral, os animais nos alimentam com os ensinamentos de como podemos ser humanos.
Para ficarmos apenas com o “bestiário” evangélico: ovelha é seguidora, diz respeito ao nosso instinto de rebanho; aponta para uma fantasia paradisíaca “as ovelhas morarão junto dos lobos” (Isaías 11.6). Seria isto que explica a nossa pacata resignação em aceitar a decretação do fim de nossos direitos e seguirmos, calados, ao matadouro da liberdade e da cidadania?
O lobo é dono de uma determinação fria e inflexível, graças à sua raiva oculta; trapaceador - no conto “Chapeuzinho Vermelho”, foi capaz de se camuflar na vovó, sendo assim, o feminino devorador e obscuro; vorazmente faminto, sua inteligência pode levá-lo à morte; ressentido por não possuir tudo que quer, ataca a todos que cruza os seus caminhos, mesmo sabendo que pode perder até aquilo que tem, por julgar-se esperto e malandro. Do lobo, se formos determinados como ele, podemos fazer valer a inteligência estratégica e prevalecer os valores corretos sobre o mal de outros lobos.
A pomba vagueia por todo e qualquer lugar, bastando ter alimento disponível; sua natureza-pássaro a caracteriza pela volatilidade do voo; símbolo do espírito do bem, da gentileza e do Espírito Santo. Assim, a pomba revela instabilidade, ainda que identificada como “do bem”; é bom lembrar que logo após “descer” sobre Jesus, em seu batismo, o conduziu ao “deserto para ser tentado” (Mateus 3:16-4:1). Deixar-se levar pelo “bem”, pode significar inconstância e desprezo pelo que já foi conquistado.
A serpente possui vastas referências a sabedoria, porém, muito dissimulada; dona de uma pele elástica e que escama, revela a capacidade de renovar-se; é portadora do elixir da cura de sua picada mortal; ela exige atenção redobrada, para não deixar-se ser apanhado em um momento de distração. Nos conflitos humanos precisamos ser como a cobra: avançar, criteriosamente, sobre as dificuldades, sem cansar de ser forte.

(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pelo Instituto de Psicologia Analítica de Campinas (IPAC), membro da Associação Junguiana do Brasil (AJB), ambos filiados à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535).