domingo, 24 de julho de 2016

Os impactos psicossociais da desigualdade econômica

            A distribuição de renda no Brasil é um dos mais graves problemas sociais e culturais que precisa de uma atenção especial de todos nós. A desigualdade entre os que têm e os que não têm, aumenta cada vez mais. O assunto é muito sério, para deixarmos apenas nas mãos de políticos. Temos de nos envolver pessoalmente nesta matéria.
            A desigualdade entre ricos e pobres é uma questão de saúde psicológica em todos os países do mundo, segundo Richard Wilkinson, professor e pesquisador inglês.
            Para ele, as sociedades com uma distribuição mais equitativa dos rendimentos têm saúde melhor, menos problemas sociais como violência, abuso de drogas, gravidez indesejada entre adolescentes, doença mental, obesidade, e outros.
            Sua pesquisa chega a algumas conclusões: a renda percapita baseada nos PIBs dos países não faz relações com a qualidade de vida e de bem-estar das pessoas, antes, omite que a renda econômica significa alguma coisa muito importante dentro de nossas sociedades; quanto maior a desigualdade entre pobres e ricos menor é o desempenho das crianças em matemática e alfabetização, crescem as taxas de mortalidade infantil, de homicídios, de consumo de álcool e drogas, maior severidade na aplicação das leis, menor capacidade de mobilidade social.
            O gatilho para piorar as condições de saúde mental da população mais pobre está relacionado às diferenças de renda com os mais ricos.
            A prosperidade social e econômica do nosso País, neste sentido, depende da nossa saúde mental e de bem-estar. Em relatório, a Organização Mundial da Saúde afirma: “Existem provas irrefutáveis de que a desigualdade é uma das principais causas de estresse, e, o estresse agrava as condições de lidar com a privação material”.
            Wilkinson aponta para um dado muito importante: “Como alguns países conseguem maior igualdade? A Suécia tem enormes diferenças nos ganhos, mas estreita a lacuna através da alta taxação de impostos, bem-estar geral provido pelo estado, benefícios generosos e assim por diante. Entretanto, o Japão é bem diferente: começa com diferenças muito menores nos ganhos salariais. Tem taxas de imposto menores. Tem provisão estatal menor no bem-estar”. E, conclui: “O bom desempenho na diminuição da desigualdade através da redistribuição, não importa muito como você consegue, desde que você consiga de alguma maneira”.
            O estresse provocado pela desigualdade de renda leva algumas pessoas a se sentirem piores do que outras; deixa a todos mais sensíveis a serem olhados com superioridade; gera desconfiança na avaliação que as pessoas fazem umas das outas; intensifica a competição por status; aumenta o medo dos julgamentos de desempenho social, que por sua vez, suscita o sentimento de ameaça à autoestima.
            “Isto significa que os pobres serão menos capazes de desenvolver uma consciência de atividade, e, portanto, menos eficazes no nível político. Sem esquecer que viver na pobreza é incrivelmente estressante”, afirma Andrew Samuels, psicoterapeuta, professor de psicologia, escritor e ativista político em seu “A psique política” (Rio de Janeiro: 1995, p. 125).
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)

quarta-feira, 13 de julho de 2016

O valor psicológico da hipocrisia

            Em “Perversão: Uma Abordagem Junguiana”, ainda não traduzido para o português, a analista Fiona Ross apresenta a opinião de diversos autores sobre o tema, com destaque para a afirmação de Donald Meltzer: “A essência do impulso perverso é alterar aquilo que é bom em mau, preservando ao mesmo tempo a aparência de bom”.
            A perversão se relaciona, então, diretamente com o caráter da pessoa que se esforça “parecer” possuir um bom caráter, entretanto, seu caráter é falso.
            Estamos no campo da hipocrisia. A hipocrisia é um dos maiores problemas da vida social em todo o mundo. E é no cenário político, nacional e local, que a identificação dos hipócritas tem se tornado uma grande dificuldade.
            No tempo presente, marcado pelos ódios e preconceitos de toda espécie, não é difícil nos identificar com o mal acreditando que estamos nos posicionando ao lado do bem. E isto não só por fazer uma equivocada leitura do espírito de época, mas porque o Ego, como grande fator em nossas escolhas, pode comprometer a integridade do nosso caráter, pervertendo o nosso desenvolvimento psíquico.
            Precisamos admitir que o “lobo” está dentro de nós, que não somos “ovelhas” o tempo todo. Aliás, queremos encontrar alguém que possa ser acusado de ser “o lobo”.
            Se considerarmos a perversão como um fator subjetivo atuante em nossa personalidade, ela pode proporcionar uma energia com efeitos transformadores, trazendo elementos inconscientes para a consciência e, assim, transcender o problema da hipocrisia. Ao invés de sermos possuídos pelo “lobo”, nós podemos dominá-lo. O problema pode ainda existir, mas, se ele for compreendido de outra forma, pode fazer uma enorme diferença.
            Precisamos ser capazes de objetivar o “lobo” relacionando-se com ele, para só assim experimentar o que é ser “ovelha”, que tantas vezes é dilacerada. É possível interferir que o “lobo” tenha vida própria, fique isolado.
            Lobos e ovelhas são diferentes: o lobo tem pelos curtos e ásperos, dentes afiados, garras pontiagudas, orelhas atentas, bocarra insaciável por sangue e carne crua, uiva em noites escuras, perseguidor veloz, dissimulado, traidor, diabólico; a ovelha tem a maciez da lã, estrutura frágil, cheira à mato, se alimenta nos campos baixos e verdejantes, seu balido é lamentoso.
            A consciência se amplia à medida que percebemos que o “rebanho” está cercado pela “matilha”, que o “redil” corre o risco de se transformar em “covil”, que “uivar” baixinho é muito diferente de “balir”.
            É possível acompanhar de perto nossos próprios “lobos”. Bem sabemos quando “uivamos”. O “uivo” é inconfundível. Aos nossos ouvidos sentimos quando “uivamos” e disfarçamos que estamos “balindo”. Porém, não dá para disfarçar o tempo todo.
            Como identificar o valor psicológico da hipocrisia?
            Quando substituímos as medidas extremadas, porque no fundo temos dúvida de nossas próprias opiniões, e buscamos a atender a necessidade por argumentos mais consistentes, ainda que mais complexos; quando sentimos que não é possível continuar a dissimular nossas vulnerabilidades com mentiras, violência e força; quando passamos a dialogar e respeitar, sem preconceitos, a todos, e não mais aos que compartilham das mesmas ideias, sentimentos, crenças.

(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)