O campeão e recordista olímpico no
Salto com Vara, o mariliense Thiago Braz da Silva, medalha de ouro nos Jogos
Olímpicos Rio 2016, compartilhou um pouco de sua história de vida e carreira esportiva:
abandonado pela mãe e criado pelos avós, por dias esperou, com a mochila nas
costas, que a mãe retornasse para buscá-lo, o que nunca aconteceu; conheceu a
modalidade através do seu tio Fabiano Braz; e, há dois anos passou a ser
treinado pelo técnico ucraniano Vitaly Petrov.
Sua história de vida revela mais do
que um caso de superação: Thiago se aproxima das feridas que a vida lhe
infligiu (injusta e erradamente), dos segredos e das confissões de suas orações
mais íntimas, da criança e da infância imaginárias, isto é, daquilo que Sigmund
Freud e Carl Gustav Jung concordam – a criança e a infância filogenética, além
da criança e infância reais, pois é imaginal, arquetípica, não-empírica.
Neste sentido, Thiago nos oferece
uma grande oportunidade para refletirmos quanto a “nossa” criança e infância:
tudo aquilo que é simples, ingênuo, rejeitado, pobre, abandonado, comum – o
órfão – da sociedade e da psique, mas que nestas condições pode alterar pelo
enfrentamento as duras realidades a que estamos sujeitos.
Não apenas devemos nos sentir
responsáveis pela “nossa” criança e infância, social e psiquicamente, mas
sentir que somos a própria criança e infância que precisa de atenção, cuidados,
amparo, acolhimento se não quisermos vivenciar a imagem da criança morta, da
esperança perdida, da falta de criatividade e de sentido.
“Nós descobrimos a criança
abandonada acima de tudo nos sonhos, onde nós próprios, ou uma criança nossa,
ou uma desconhecida, é negligenciada, esquecida, chora, está em perigo ou em
necessidade. A criança afirma sua presença através dos sonhos; mesmo abandonada
podemos ouvi-la, escutar seu chamado”, segundo James Hillman (Estudos de
Psicologia Arquetípica. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981, p. 26-27).
Precisamos ir além da culpa que esta
situação pode nos trazer, aliás, nos envolver participativamente com toda a
história que envolve as condições de abandono e rejeição para que não se
repitam, cuidando dos elementos novos e tenros que precisam de ajuda para
crescer.
Tendemos a achar que existe alguma coisa
fundamentalmente errada na criança que a faz um ser frágil, carente, perversa
(como querem alguns da psicologia) e, por isso mesmo sujeita ao abandono.
Empenhamo-nos a tirá-la da condição da infância pela educação, batismo,
imunização. Não as aceitamos como são. Assim impedimos a criança de cumprir a
sua função, a de alterar a personalidade, fazer a combinação dos elementos
conscientes e inconscientes da personalidade.
Thiago expõe ao mundo que o abandono
e perigo sofridos são como condições para o desenvolvimento da capacidade de
ser independente; de experimentar-se no processo de maturação dos fatores
contrastantes da personalidade, em busca de uma amplitude de consciência; de forças
interiores para enfrentar os perigos e as agressões.
O ‘ouro’ que Thiago pôs em nosso
peito é o do “motivo da criança”, como afirma Jung: “A criança é tudo o que é
abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente poderoso; ela é o início
insignificante, duvidoso, e o fim triunfante. A ‘eterna criança’ no homem é uma
experiência indescritível; um estado de inadaptação, uma desvantagem e uma
prerrogativa divinas; em último lugar, um imponderável que constitui o valor ou
desvalor último de uma personalidade” (Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 178).
(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a
Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP –
International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)
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