segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O ‘ouro’ de Thiago Braz da Silva

            O campeão e recordista olímpico no Salto com Vara, o mariliense Thiago Braz da Silva, medalha de ouro nos Jogos Olímpicos Rio 2016, compartilhou um pouco de sua história de vida e carreira esportiva: abandonado pela mãe e criado pelos avós, por dias esperou, com a mochila nas costas, que a mãe retornasse para buscá-lo, o que nunca aconteceu; conheceu a modalidade através do seu tio Fabiano Braz; e, há dois anos passou a ser treinado pelo técnico ucraniano Vitaly Petrov.
            Sua história de vida revela mais do que um caso de superação: Thiago se aproxima das feridas que a vida lhe infligiu (injusta e erradamente), dos segredos e das confissões de suas orações mais íntimas, da criança e da infância imaginárias, isto é, daquilo que Sigmund Freud e Carl Gustav Jung concordam – a criança e a infância filogenética, além da criança e infância reais, pois é imaginal, arquetípica, não-empírica.
            Neste sentido, Thiago nos oferece uma grande oportunidade para refletirmos quanto a “nossa” criança e infância: tudo aquilo que é simples, ingênuo, rejeitado, pobre, abandonado, comum – o órfão – da sociedade e da psique, mas que nestas condições pode alterar pelo enfrentamento as duras realidades a que estamos sujeitos.
            Não apenas devemos nos sentir responsáveis pela “nossa” criança e infância, social e psiquicamente, mas sentir que somos a própria criança e infância que precisa de atenção, cuidados, amparo, acolhimento se não quisermos vivenciar a imagem da criança morta, da esperança perdida, da falta de criatividade e de sentido.
            “Nós descobrimos a criança abandonada acima de tudo nos sonhos, onde nós próprios, ou uma criança nossa, ou uma desconhecida, é negligenciada, esquecida, chora, está em perigo ou em necessidade. A criança afirma sua presença através dos sonhos; mesmo abandonada podemos ouvi-la, escutar seu chamado”, segundo James Hillman (Estudos de Psicologia Arquetípica. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981, p. 26-27).
            Precisamos ir além da culpa que esta situação pode nos trazer, aliás, nos envolver participativamente com toda a história que envolve as condições de abandono e rejeição para que não se repitam, cuidando dos elementos novos e tenros que precisam de ajuda para crescer.
            Tendemos a achar que existe alguma coisa fundamentalmente errada na criança que a faz um ser frágil, carente, perversa (como querem alguns da psicologia) e, por isso mesmo sujeita ao abandono. Empenhamo-nos a tirá-la da condição da infância pela educação, batismo, imunização. Não as aceitamos como são. Assim impedimos a criança de cumprir a sua função, a de alterar a personalidade, fazer a combinação dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade.
            Thiago expõe ao mundo que o abandono e perigo sofridos são como condições para o desenvolvimento da capacidade de ser independente; de experimentar-se no processo de maturação dos fatores contrastantes da personalidade, em busca de uma amplitude de consciência; de forças interiores para enfrentar os perigos e as agressões.
            O ‘ouro’ que Thiago pôs em nosso peito é o do “motivo da criança”, como afirma Jung: “A criança é tudo o que é abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente poderoso; ela é o início insignificante, duvidoso, e o fim triunfante. A ‘eterna criança’ no homem é uma experiência indescritível; um estado de inadaptação, uma desvantagem e uma prerrogativa divinas; em último lugar, um imponderável que constitui o valor ou desvalor último de uma personalidade” (Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 178).

(Sílvio Lopes Peres – Psic. Clínico – CRP 06/109971 – Candidato a Analista pela Associação Junguiana do Brasil (AJB/Campinas), filiada à IAAP – International Association for Analytical Psychology (Zurique/Suíça) - Fones: (14) 99805.1090 / (14) 98137.8535)

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