sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A Babel das Fotos

por Roque Tadeu Gui

Estou no alto do Hotel Las Américas, Cartagena das Índias, Colômbia. Comigo, esposa e casal amigo. Estamos no Pacífico, margeando o Caribe; a imensidão do mar, que vai de ponta a ponta do horizonte, cobre os 180 graus de visão. A vista é imponente. Abaixo, moradias que, vistas de cima, parecem casinhas de brinquedo, contrastando com a paisagem larga da natureza.

O impulso a fotografar as imagens estonteantes é quase que natural em tais ocasiões e concorre com o desejo de usufruir das sensações visuais e epidérmicas: aqui o vento forte sopra um calor escaldante que faz Natal e Fortaleza parecerem um paraíso morno.

Munidos de nossos celulares, clicamos ininterruptamente. Clique daqui, clique dali, e dou-me conta de que todos do meu pequeno grupo estão fotografando os mesmos objetos: o mar ali à frente, o horizonte aberto de ambos os lados, as residências, a vegetação, a cidade de Cartagena mais adiante.

Penso que mais tarde compartilharemos as mesmas imagens e teremos réplicas de tudo que foi fotografado. Em um mesmo rolo de câmera digital as fotos se misturarão e quase não saberemos o que foi eu que fotografei, o que foi minha mulher ou nossos amigos. O rápido compartilhamento por whatsapp cuidará de fazer a mescla final. Coisas da simultaneidade digital!

No jantar talvez tenhamos alguma discussão sobre quem foi o autor de alguma foto particularmente bem enquadrada. Mas, o sentimento geral será o de que não importa muito. Com tranquilidade, poderei assumir minha culpa por usurpar a autoria desta ou daquela foto.

Ao dar-me conta desses pensamentos, surpreendo-me com a ideia de terceirizar o clique fotográfico! Minha mulher já bateu, ou baterá, aquela foto, meu amigo também já clicou. Posso deixar de fazê-lo; de qualquer modo, ao final, as imagens repousarão em meu acervo pessoal. Guardarei algumas, descartarei outras, ao meu bel-prazer. Meu devaneio talvez anuncie a morte do fotógrafo, uma paráfrase da morte do autor.

Guardo meu celular e passo a observar os detalhes da paisagem. A observação pausada, despreocupada e fina, não facilmente compartilhada, talvez escape à Babel das Fotos.

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